Um diagnóstico sobre o perfil das trabalhadoras sexuais da Rua Guaicurus, no Centro de Belo Horizonte, realizado pela PUC Minas por meio de um projeto de extensão e apresentado na tarde da última terça, 28 de novembro de 2023, no teatro do Centro de Referência das Juventudes, da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), despertou o interesse do Ministério da Educação (MEC) para a realização de cursos específicos para essas mulheres já a partir do ano que vem. Quem informa é a deputada federal Duda Salabert, durante a abertura do Seminário Diagnóstico Socioterritorial com as Trabalhadoras da Guaicurus: saberes, fazeres e perspectivas. A parlamentar foi autora de uma emenda impositiva, quando ainda era vereadora, que destinou recursos para o município articular a execução da pesquisa. O levantamento foi realizado pelo projeto de extensão Diagnóstico Socioterritorial e Assessoramento às Redes de Trabalhadoras Sexuais da Guaicurus, coordenado pela professora Márcia Mansur Saadallah, por meio de convênio com a PBH e em parceria com a Aprosmig (Associação das Prostitutas de Minas Gerais).
O referido diagnóstico identificou o perfil econômico, de gênero, racial e geracional de prostitutas, suas vivências em relação à sua ocupação, à Aprosmig, à sociedade e à pandemia da Covid-19, assim como situações de risco, vulnerabilidades sociais e violências vividas por essa população, além de suas potencialidades e desejos. Foram entrevistadas 360 trabalhadoras, que atuam em 24 hotéis da região.
“Este seminário é o ponto alto do nosso projeto que vem desde o início do ano executando essas ações”, afirmou a professora Márcia Mansur. Ela contou que a parceria com a Aprosmig já faz dez anos e que em 2016 chegou a ser feita uma pesquisa com as trabalhadoras sexuais, porém em caráter informal. “Neste ano a gente vem sonhando em fazer uma pesquisa acadêmica com a participação das mulheres para oficializar, checar, comparar com os dados anteriores. É muito importante este momento pra gente”, disse. Segundo ela, o diagnóstico elaborado pela PUC Minas foi feito para a Aprosmig e para embasar a elaboração de políticas públicas. Participaram da produção da pesquisa 20 extensionistas, dos cursos de Psicologia do Campus Coração Eucarístico e unidades Praça da Liberdade e São Gabriel. Também participou do estudo a psicóloga social Elizabeth Fernandes, voluntária na Aprosmig, contratada especialmente para prestar esse apoio.
“Parabenizo as companheiras da PUC e os movimentos sociais pela construção dessa pesquisa. Ela vai ser fundamental porque é impossível construir política pública sem um dado oficial”, afirmou a deputada federal Duda Salabert. Segundo ela, embora o tempo da política seja mais lento, burocrático, é necessário estar na política para que as transformações possam ser alcançadas. “A sociedade civil tem um papel fundamental na luta pela construção, mas as transformações mais profundas sempre vêm da política.” Ela afirmou que a sociedade não está ainda no estágio de avançar, mas de frear retrocessos, como um projeto de lei aprovado em outubro em uma comissão da Câmara dos Deputados que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O texto ainda precisa ser analisado por outras comissões antes de ir ao plenário da Casa.
A diretora geral da Aprosmig, Maria Aparecida Menezes Vieira, conhecida como Cida, disse esperar que o diagnóstico possa contribuir com a regulamentação da profissão. “Estar presente aqui com as minhas colegas trabalhadoras cis e trans, para cobrarmos essas parcerias, essas políticas públicas, para que venham até nós, é importante porque nós somos cidadãs, temos direitos”, refletiu, lembrando da violência sofrida em especial pelas mulheres negras. Em seu pronunciamento, ela agradeceu a Universidade pela confiança.
Trabalhadora na Rua Guaicurus há quase 24 anos, a presidenta do Conselho Municipal da Mulher, Maria de Fátima Muniz do Nascimento (Jade), reiterou que as trabalhadoras sexuais devem ocupar os espaços políticos e de luta, para o fortalecimento da categoria. “Nós, trabalhadoras sexuais, não temos que ficar nos quartos, nas ruas; a gente pode ocupar espaços políticos como trabalhadoras, sem medo, sem vergonha, então isso para nós é uma alegria. Essa pesquisa é muito importante porque ao ocupar espaços políticos podemos cobrar, ter uma pesquisa para nos basear”, disse. De acordo com ela, a política pública não pode se basear apenas em exames de HIV. “Nós somos mulheres cis e trans, temos outras dores, sofremos vários tipos de violência, precisamos de uma saúde integral, não só o teste. É importante, não estou desmerecendo, mas vamos abrir o leque para outras propostas, como empregabilidade, moradia, direitos”, defendeu.
Daniela Lopes Coelho, diretora de Políticas para as Mulheres de Belo Horizonte, falou sobre a importância de discutir o acesso a políticas públicas pelas trabalhadoras sexuais, que, nas palavras dela, “muitas vezes são invisibilizadas”. “Ter esses dados, muito mais do que mostrar as vulnerabilidades que essas mulheres passam, nos mostram também todas as potencialidades, os desejos dessas mulheres, para a gente conseguir de fato políticas públicas que as protejam.”
A subsecretária de Direitos de Cidadania, Glecenir Vaz Teixeira, ressaltou a violência sofrida pelas trabalhadoras sexuais. “A gente não faz políticas públicas sem dados, sem evidências, e ter esses dados são mecanismos para que possamos elaborar políticas públicas. A partir desses dados a gente pode pensar em ações, estratégias, para que de fato a gente proteja, de fato lute contra a violência. Hoje estamos aqui como um marco, para caminharmos nesse processo”, disse.
O seminário, que contou com uma abertura oficial e duas mesas, é parte da campanha dos 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres e meninas de BH. No Brasil, a campanha teve início no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, e vai até 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Na entrada do teatro, os participantes do evento puderem conferir uma linha do tempo feita em papel kraft, contando a história das mulheres e da prostituição na Rua Guaicurus, que teve início na década de 1950, quando trabalhava na região Hilda Maia Valentim, mulher que inspirou a personagem Hilda Furacão, do romance de Roberto Drummond, que deu origem à famosa minissérie da TV Globo. Os depoimentos foram coletados em um grupo focal, realizado pela PUC Minas com 15 mulheres trabalhadoras da Guaicurus.
Confira alguns dados da pesquisa:
– No que diz respeito à identidade de gênero, 85% se identificam como cisgênero; 13,6% como transgênero e 1,1% como travesti, sendo que uma pessoa disse já ter se identificado como homem.
– Sobre a orientação sexual, 76,4% se dizem heterossexuais; 17,8% bissexuais; 3,9% pansexual e 1,9% homossexual.
– Em relação à faixa etária, 5% tem entre 18 e 20 anos; 49,4% estão entre os 21 e 30 anos; 26,7% entre 31 e 40; 12,2% entre 41 e 50 anos; 5,3 entre 51 e 60; e 1,1% entre 61 e 70 anos.
– No quesito raça/cor, 45,8% se identificam como parda; 30,8% como negra; 20,3% como branca; 1,4 como indígena e 1,1 como amarela.
– Considerando a educação, 43,1% tem ensino médio completo; 17,5 ensino médio incompleto; 15,3% ensino fundamental (6º ao 9º anos); 6,9% ensino fundamental (1º ao 5º anos); 8,9% tem superior incompleto; 7,2 superior completo; 1,1% relataram não ter educação formal.
– Sobre o estado civil, a ampla maioria é de solteiras, com índice de 81,7%. As divorciadas são 8,1%; as casadas 5,6%; viúvas, 1,9%; e em união estável 2,5%. 277 entrevistadas são mães, sendo que dessas cerca de 74% são mães de um ou dois filhos.
– Problemas de saúde foram relatados por 35% das entrevistadas, sendo hipertensão, doenças mentais, respiratórios e Ists (HIV, Sífilis e HPV) as principais citadas.
– A grande maioria nasceu em estados da região sudeste (74,6%), dessas a maior parte nascida em Minas Gerais (45,3%). Quanto ao local de residência, 67,1% afirmaram morar em Minas Gerais, sendo 49,7% residentes em Belo Horizonte.
– O tempo na ocupação foi de 1 a 5 anos para 41,1%; 5 a 10 anos para 23,1%; de 10 a 20 anos para 15,3%; de 20 a 30 anos, 6,9%; de 6 meses a 1 ano; 6,7%, de 31 a 40 anos, 2,2%; e menos de seis meses, 4,4%.
– Das 360 entrevistadas, 39% relataram ter outra ocupação, como vendedoras, estudantes, área da beleza, faxineiras/diaristas, técnicas de enfermagem, cuidadoras de idosos e microeemprendedoras.
Crédito da foto de destaque: Juliana Fernandes.
Legenda: Equipe da PUC Minas no momento da apresentação da pesquisa